sábado, 25 de fevereiro de 2012

Diário de Bordo 2-Primórdios do cinema





É certo que relações de amor demandam tempo e cuidado, mas a paixão do cinéfilo é sobremaneira angustiante. Afinal de contas relacionar-se com o objeto de sua afeição requer sempre horas de contemplação e paciência.A aula de hoje,sobre história do cinema,foi um exercício de ansiedade e paciência.Á medida que a professora listava uma a uma as escolas de cinema,seus representantes e as obras cinematográficas mais representativas da época,a vontade era congelar o tempo por alguns minutinhos e correr ao velho Google para visualizar o objeto da explanação.Durante a aula foi apresentado o quarteto fantástico da sétima arte.Segundo a prof.,W.Griffith ,Orson Welles,Rossellini e Godard são os grandes responsáveis por todas as modificações ocorridas desde a invenção do cinema.Iremos estudar as escolas de arte pré-cinema e pensar em tudo que aconteceu no sec. XIX,mais do em qualquer outro século é maravilhoso,uma vez que representa não só uma evolução tecnológica,mas uma série de mudanças estruturais no que se julgou chamar desde então sociedade e que transformaram não só a forma de viver e agir do homem ,mas todo um modo de pensar e ver a si mesmo e ao mundo.Ao passo que escrevo esse texto,ouço don´t let me down dos Beatles


Don´t Let me Down-The Beatles
e a melancolia de viver numa época onde os pioneiros das artes são rarefeitos me causa um enorme desânimo.Que sensação deve ter sido a de viver num tempo em que as mentes se abriam,mesmo que aos poucos,ao novo mundo e velhos conceitos caíam por terra,além da arte tornar-se de mera reprodutora do real,construtora de uma nova realidade.Num cenário como esse ,alguns loucos se dispuseram a registrar o movimento,trilhando o caminho para que o cinema pudesse acontecer.Dos irmãos Lumiére vem alguns dos primeiros registros cinematográficos sobre o movimento, já em 1895, ano oficial do nascimento do cinema.

Trecho dos primeiros filmes dos irmãos Lumiére

http://www.youtube.com/watch?v=4nj0vEO4Q6st


Nota-se a câmera parada, sem interferir na realidade, registrando o desenrolar da vida cotidiana, seja na saída dos trabalhadores da fábrica ou nos registros de vida familiar. Entretanto nada guarda maior caráter de mudança do que a imagem do trem chegando à estação,atravessando a tela e partindo,como um prenúncio de um novo tempo.No último filme,a derrubada de um muro torna-se objeto de uma experiência singular:retratados um após a outro,os movimentos de progressão do filme e regressão,são uma tentativa de controlar o curso da realidade,tornando-a outra.O cinema começa então a tornar-se maquina de ilusões.




Aqui, o quarteto fantástico:


W.Griffith: Trecho de o nascimento de uma nação-1915


Orson Welles: Cidadão Kane-1941



Roberto Rosselini-Roma Cidade Aberta-1945



Jean Luc Godard-alphaville 1965

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Diário de Bordo - Primeiro dia de aula





Recomeçar é sempre doloroso, principalmente quando se trata de algo que se ama, mas que nunca se teve a coragem de mergulhar. Começar o curso de cinema é como entrar numa montanha russa no escuro, sentindo o frio na barriga de encarar o desconhecido, sem saber o que vai acontecer no minuto seguinte. Entrando na faculdade no primeiro dia tive a sensação de pânico peculiar aos grandes começos. Pois bem,vá lá que seja,respirei e procurei pela sala de aula.Ninguém.Aluninhos espalhados pelo corredor me davam uma sensação bizarra de"o que estou fazendo aqui?"Uns bons minutos de espera depois a coordenadora chega e,simpática,começa a falar sobre o curso para os pouquíssimos alunos ali reunidos.Percebi que comunicação é um curso muitíssimo afim com cinema e que muita gente empreende o caminho que estava me assustando tanto.Mas ainda não dá pra tirar conclusões com base em tão baixo quórum,então vamos aguardar os novos alunos,isso só na semana que vem quando o ano novo carioca finalmente começa.De qualquer forma já deu pra sentir o gostinho,porque a segunda aula foi de produção e a simpaticíssima professora já começou a pôr nossas cabeças pra trabalhar,pensando na quantidade de coisas que envolvem uma imagem de filme dividida em 24 ou 30 quadros por segundo.São dezenas de pessoas reunidas com um só objetivo:emocionar.Segundo ela,diferente de demais áreas,o cinema é um grande coletivo de pessoas com ideias e personalidades diferentes que se unem em prol de um só objetivo.Deve ser absurdamente difícil de realizar,ainda mais se somarmos o tanto de ego que sempre existe em todas as artes e a dificuldade abissal de convivência entre seres humanos que se propõem a trabalhar juntos.Isso posto,falamos sobre o porquê de estarmos ali e fica evidente,mesmo num grupo tão pequeno,a paixão que une cada um de nós.Cinema,para Francis Ford Coppola,foi feito para impactar e o que pude perceber é que estávamos todos irremediavelmente tocados pela magia da sala escura e todas as histórias de filmes que estão gravadas na nossas retinas.Sempre tive como prazer maior a possibilidade de arrancar lágrimas e risos de quem quer que se arriscasse a ver alguns dos meus vídeos tosquinhos,feitos na base do Movie maker. Não se trata somente de captar o sentido,mas penetrar no reino da imagem e se deixar levar por ela,se tornar vulnerável à emoção e ao som de uma boa narrativa.Penso que me preparei para isso toda a vida,desde as histórias contadas pelos meus pais ,ou mesmo nas canções cantadas pelas minhas tias-avós na hora de dormir(tantas histórias que renderiam outro post.rsrs).Todas as experiências fazem parte da narradora que eu sempre quis ser,embora mantivesse a porta da imaginação quase sempre fechada.Não que o jornalismo não permita a criação,mas é sempre necessário manter um pé na realidade para não viajar demais.Agora,recém chegada no curso de arte(a sétima para ser mais exata),palavra essa impressa de forma belíssima em vitral na entrada da faculdade,chegou a hora de soltar as amarras e voar,sem para quedas,infinitamente pra variar.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Crítica do Filme:Dama de Ferro


Há um problema em escolher atores excepcionais em roteiros maravilhosos para personagens controversos da história. Corremos o risco de nos apaixonar pela persona de ditadores e assassinos contumazes antes mesmo de nos lembrarmos quem são. Há porem um lado mais assustador na empatia. O olhar da câmera, ao jogar luzes por sobre uma carapaça de sombras, revela a humanidade que há em todos nós, bandidos ou mocinhos, revirando nossas entranhas na perspectiva de encontrar em nosso ser o ingrediente maldito da monstruosidade e da intolerância. O que filmes como A queda, que retrata os últimos dias de Adolf Hitler, Into the Storm ,de Churchill e Henrique VIII, por exemplo, mostram é a nuance palpável de personalidades que escreveram a ferro, fogo e principalmente sangue seu nome na história. E se em Tempos de Tormenta (Into the Storm, 2009.Biografia de Churchil, primeiro ministro britânico durante a segunda guerra) a imagem do doce velhinho sentado em sua sala constituindo por si só a resistência que ergueu os aliados contra a égide nazista contrasta com seus ideais de limpeza étnica, o que dizer de Adolf Hitler sendo retratado em um bunker tão simpaticamente em suas relações com secretarias e demais subordinados ao ponto de ser duvidoso?Afinal,esta ali na tela o homem que forjou a solução final em seis milhões de judeus. Da mesma forma em Henrique VIII, a empatia desmedida do monarca britânico chega quase a justificar a execução sumária de um soldado, argumento fácil de impingir após longos minutos construindo uma personagem sedutora e corajosa para o rei inglês. Em 2012 o milagre da transformação atende pelo nome de Margareth Thatcher, vivenciada de forma brilhante por Meryl Streep. Em dama do ferro, a trajetória da primeira estadista inglesa é esmiuçada em detalhes, costurando dores e afetos em uma narrativa rica, desde sua juventude no partido conservador, passando pela construção do mito Thatcher, até o final da vida, encerrada em uma casa cheia de lembranças. Streep tenta ser durona como a ministra britânica, mas passa docilidade demais pelos olhos inquietos para que lembremos que sua personagem causou a morte de milhares de soldados argentinos e ingleses durante os conflitos pela posse das Falkland ou que a pesada carga de taxas causaram dezenas de protestos populares Inglaterra afora. Mas a atriz resiste,move-se mais rápido,tempera o olhar arrogante com silêncios contundentes e gestos mais amplos e convence muitos da seriedade de sua personificação.Entretanto é no contraste entre a hard lady e a idosa que mantém um diálogo com o marido morto que a mulher de ferro se humaniza.Já não se enxerga mais a tênue película que protege a atriz e a personagem.pronto,ela fez de novo,entrou com Meryl e saiu como Thatcher,sem que soubéssemos onde começou uma e onde terminou a outra.



E para quem acompanhou na história todos os desmandos de Margareth Thatcher,a casa onde no filme a personagem vive seus últimos dias carrega todos os fantasmas de uma existência(Na vida real consta que sua filha declarara não ser mais a mãe capaz de falar em público).Dos soldados da campanha das Falkland,guerra indecente travada com a argentina, aos milhares de desempregados frente à grave recessão vivida pela Inglaterra na década de 70,estão todos lá,dividindo espaço com o maravilhoso personagem que é o marido de Thatcher.Dennis,o marido da mulher de ferro,é a nota sensível e tresloucada da grande dama,suavizando suas crises de consciência,apoiando suas decisões e protegendo-a de sua própria força.E quando ela já não encontra mais adversários ou apoiadores ao seu lado,é a voz do marido que continua protegendo-a da solidão.Assim como no Brasil Getulio Vargas saiu da vida para entrar na história,no filme Dama de Ferro Thatcher abandona sua velhice para se entregar às sua próprias lembranças que compõem não só a sua história ,mas da Grã-bretanha moderna.Um filme belo e imperdível.
Na mídia,o filme levantou críticas,entre os dois lados da moeda e por motivos distintos:
"Se na Grã-Bretanha as críticas poderiam conter um mal disfarçado orgulho nacional ferido, na Argentina elas adquiriram um tempero político muitas vezes explícito..(O Globo Digital.Caderno de cultura.17/02/2012)

Matéria do Globo


Pra SABER MAIS:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Margaret_Thatcher
http://www.tosabendo.com/conteudo/noticia-ver.asp?id=219933


Videos:
Meryl Streep GANHA O BAFTA, OSCAR LONDRINO







Trecho de A Queda:







Trechos de Into the Storm:


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Memoria e cinema

Memórias são construções que se inscrevem na pele, formando tudo que somos e determinando nossas ações e sentimentos. Ao olhar pra trás, a história de nossas vidas as por vezes parecem fazer sentido após anos de silencio ao examinarmos cada gesto com olhos contemporâneos. Em minha vida, por exemplo, o cinema sempre foi uma grande paixão e o maior dos meus prazeres, associado diretamente a afeto e a lembranças felizes. Lembro de passar a infância na casa da minha vó em santa Teresa e aos sábados e domingos invariavelmente, pegar o bondinho pra ir ate o centro no Metro Boa vista ou no Cine Palácio,


Metro Boavista,originalmente chamado Metro Passeio. Fechou em 28 de abril de 1997.





Cine Palácio,pouco antes de fechar para reformas,em 2008.

ambos cinemas que já não existem mais, embora o palácio,particularmente,conserve sua estrutura física, mas de portas fechadas.Era um passeio de sonho descer as ladeiras de santa e entrar no ambiente refrigerado e confortável das poltronas vermelhas, tapetes espessos e salas grandiosas,de arquitetura art. decó.Pouco importava o filme,o principal era adentrar aquele território sagrado onde o sonho e a realidade se confundiam.Além disso,havia o tradicional baleiro com doces coloridos(sim ,eu dou do tempo da bala boneco )e a diversidade de confeitos que só se encontravam na pequena banca de madeira carregada pelo vendedor conferia caráter extraordinário,especial,ao evento de assistir um filme.Mas não era só isso.

Cine Metro Boavista.localizado no centro da cidade .Fechou em 28 de abril de 1997

Havia que se comprar o saco de pipocas,cuja constância era tão importante ao ritual,o habitual cheiro de milho fritando com as latas de leite condensado sobre a carrocinha e os saquinhos de papel ,combinação que normalmente resultava em mãos meladas e correria para lavá-las antes da sessão.me lembro desde então da necessidade de adentrar esse espaço mágico onde a fantasia se aproximava dos olhos,sentada próxima a tios muito queridos que já sabiam ser esse o passatempo preferido para me entreter.Com meus pais,freqüentava amiúde o Paratodos e o Bruni
Méier,ambos no bairro onde moro até hoje

Cinema Paratodos.Inaugurado em 1935.Fechado na década de 1990.




Cinema Paratodos.Inaugurado em 1963.Fechado na década de 1990.



Além disso,havia o maravilhoso cinema Imperator que faz parte do grupo de saudosas construções que hoje se tornaram igrejas e lojinhas populares.



Cinema Imperator.Vendido em 1990 para virar casa de Shows

Lembro de aguardar ansiosamente o momento de me refestelar na poltrona e pensar como seria o próximo filme ,com a sensação de que nenhum outro lugar me faria tão feliz como o espaço compreendido naquelas salas escuras.Com os anos,as escolhas de filmes começaram a acontecer e de minha parte,o cinema era sempre o passeio sugerido ou ate mesmo imposto,por qualquer um que me acompanhasse,seja Amigo, parente ou namorado. Todos acabavam entendendo que a melhor forma de me fazer feliz era conceder um tempo de introspecção entre as paredes onde estivesse um projetor e uma boa historia a ser exibida. Confesso que mesmo na adolescência, em poucas situações fui distraída por qualquer coisa enquanto o filme passava e somente em uma única vez abandonei uma sala de cinema com meus pais,quando por engano entramos numa sala em que era exibido ou filme adeus meninos,certamente um clássico que eu apreciaria hoje, mas não com oito anos de idade, fator determinante para que todo acabasse saindo da sala e indo ate o café da Sloper, também de decoração art deco. Mas foi quando cheguei ao segundo grau, em um colégio publico federal de filosofia liberal e sem restrições aos alunos que o cinema fez mais parte da minha vida. Era comum faltar aulas e, acompanhada de amigos, frequentar as dezenas de cinemas que ainda existiam na tijuca nos anos 90. Íamos ao carioca, America, Art tijuca, Bruni Tijuca e todos os outros
que já não mais se encontram por lá a ponto de percorrermos, sem faltar um, toda a programação de filmes em cartaz e não nos restar mais nada a ver.



Cinema Bruni Tjuca.Funcionou de 1968 a 2000.






Cinema Bruni Tjuca.Funcionou até 1997

Dessa época me recordo de ter ficado impressionada com o que me lembro ser o metro tijuca e sua imensa sala de dois andares, onde exibia-se o filme O Corvo, onde o ator principal Brandon Lee morrera durante as filmagens. Entramos já no inicio do filme e a atmosfera soturna da historias, associada ao escuro da sala e a trilha sonora, pôs em polvorosa nossos espíritos adolescentes. Também me recordo de uma tarde memorável que passei em companhia de 4 amigas,quando assistimos Priscila a Rainha do deserto,numa tarde ensolarada em Copacabana no cinema Roxy, indo tomar sorvete no Alex. A vida nos meus 15 anos era uma promessa de liberdade e o cinema continuava representando tudo de maravilhoso que poderia existir, ocupando uma boa parcela daquilo que eu era e o que pretendia ser a partir de então. Alguns anos depois,já no papel de mãe,tive a seria preocupação de mostrar a minha filha todo o encantamento das salas escuras de exibição e tive a grata surpresa de encontrar ,com o passar do tempo,uma companheira de paixão cinematográfica ,embora não tão obcecada como eu,revelando que algumas paixões ( e loucuras)podem ser transmitidas geneticamente afinal.O cinema ainda faz parte da minha vida mas não da forma como poderia ser,afinal as salas carregadas de historia se foram,com exceção de umas poucas,patrocinadas por grandes empresas ou de pequenas salas como o cine santa,sobrevivendo as custas de poucos e apaixonados freqüentadores que buscam outras experiências além dos blockbusters em cartaz nas salas “plex” da cidade,eficientes porem sem historia para contar.Decerto podemos hoje debater sobre qualidade de áudio e vídeo,cinema em alta definição e som de ultima geração,poltronas reclináveis,pipocas sempre fresquinhas(de preço exorbitante) e ar condicionado em funcionamento(minha ultima experiência no Paratodos incluiu uma exibição de portas abertas por falta de ar condicionado,o que permitiu vislumbrar os enormes buracos nas poltronas e chão,paredes descascadas e infiltrações que me deprimiram) mas sem a poesia dos lanterninhas e do baleiro,do cheiro de pipoca de panela e das infinitas historias que cada uma dessas salas podia contar.Somos todos órfãos dos cinemas-poeira e de sua infinita magia,fazendo parte de nossas vidas e compondo o quadro cultural e cotidiano de cada bairro,construindo memórias e entrelaçando afetos,nas fotografias que carregamos ao longo da vida.Certamente nossos filhos e netos vem filmes com Maior qualidade e com maior conforto, mas lhes falta outro tanto de vivencia em cada experiência, uma vez que todas as salas parecem ser as mesmas e o valor dos ingressos diminuiu a freqüência de muitas famílias, para quem o cinema passou a ser um passatempo proibitivo. Construíram historias de estética perfeita em salas indefectíveis,mas ainda lhes falta o item essencial de cada experiência humana:a alma.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cinema mudo:ousar sonhar





Crítica do filme O artista



Na seara cinematográfica o filme é a inscrição do movimento, a construção das palavras no dueto entre luz e sombra, tecendo significados ao sabor do tempo. Neste espaço sagrado,onde a sala de cinema é o altar onde fieis vem alcançar suas bênçãos,cada qual penetra por seus próprios pés em território fantástico,abraçando seus medos e desejos enquanto recebem sua porção de sonho.Altar de rituais mágicos ,o cinema constrói sua realidade no silêncio da sala escura e na inércia do corpo para a elevação da alma, ativando sentidos ao passo que confere a cada um a identidade do personagem que se apresenta na tela, figura etérea, reflexo do ser, humano por essência e divino por aclamação. Acima da humanidade postam-se os deuses olimpianos da película,desde o primeiro registro cinematográfico que contextualizava o tempo no desenrolar das imagens do cinematógrafo.E o olho humano,ao ver a grande novidade diante dos seus olhos,libertou-se da tarefa de registrar momentos e passou a tentar apreender sensações e pensamentos tornando a imagem puro sentir.E a plateia,condenada ao breu da sala,se entregava ao exercício do sonho vendo surgirem em sua frente reis e rainhas desfilando em estado de graça,para júbilo dos que os observavam.Até a década de 30,a composição do cinema vivenciou o sonho pela circunstância de limitar à imagem capturar a realidade,permitindo que os sons,componentes essenciais do universo real,permanecessem constituídos unicamente da música e da percepção de cada um. Assim é O artista,filme do diretor Michel Hazanavicius ,que ousa trazer em 2012 a magia do cinema mudo para as telonas cada vez maiores dos cinemas assépticos de shoppings mundo afora.o artista é um apelo à magia simples do cinema do inicio,do passatempo das massas,enchendo de risos as salas dos poeiras de dantes.George Valentim é o astro ingênuo e carismático que cativa o público com suas tiradas espontâneas,dominando as platéias e a mídia assim como Peppi Miller, ilustre desconhecida e aspirante a atriz. Quis o destino e o roteirista que os dois se encontrassem um dia ,frente às câmeras e a espontaneidade da senhorita encantou o ator,que,generosamente lhe deu um lugar nas filmagens(e no coração,embora nada aconteça no início).Ocorre que o cinema mudo,do qual George era o astro maior,encontrava seus últimos dias e a industria buscava novos rostos para ilustrar suas historias agora com imagem e som e achou a Peppi Miller.



"O artista"percorre os dois caminhos,da decadência dele e da ascensão dela,passando pelos encontros e desencontros de ambos,o que torna o filme um bom drama recheado de belos momentos de sintonia entre os dois.Mas o que torna o filme realmente fantástico é o resgate,seja pela ocorrência de se apresentar em p&b ou mesmo pelo fato de ser mudo,da ingenuidade dos filmes clássicos e a magia do cinema original,onde atores e atrizes usavam seus corpos e rostos para dar o tom dos personagens,conferindo grande dramaticidade às cenas.Além disso a fotografia primorosa joga com reflexos de espelhos para indicar emoções dos atores,viradas de câmeras para mudar estados de espírito e uma deliciosa cena de Peppi contracenando com um paletó,num dueto belíssimo,pela sutileza e resgate do cinema como máquina de fabricar ilusões.De fato,o advento do som ,aliado ao crash da bolsa de nova York em 1929 transformaram o modo de fazer filmes,concentrando a produção em poucos estúdios e tornando as películas produtos de consumo por excelência, à parte a qualidade com que eram feitas. O artista conta um pouco dessa historia,resgatando ícones do cinema de origem,como as musas intocáveis e os galas ingênuos,os números de dança e as ilusões quase circenses dos primeiros filmes.É uma homenagem belíssima à memória cinematográfica e todos os seus personagens,um convite à delicadeza dos filmes de Charles Chaplin e ao encanto dos musicais de Fred Astaire e Ginger Rogers, sem perder a ingenuidade dos números de circo, onde o espectador nunca sabe o que vai acontecer depois. O artista é uma declaração de amor ao universo fílmico,emocionando a platéia ao passo que constrói uma metalinguagem para falar de si mesmo,uma poesia visual e sonora criada com ousadia por Hazanavicius .Em tempos de reedições,filmes em 3D e mais do mesmo,o artista é um sim à criação e a beleza do cinema em toda sua simplicidade,um convite ao mergulho no ilusionismo das salas escuras e um resgate a magia dizendo que sim,é possível voltar a sonhar.Resta ao público a escolha corajosa de mergulhar.

Veja o trailer: